terça-feira, 16 de outubro de 2012

Dois olhares sobre o filme "V de Vingança"

 Por André Moraes

Textos de análise do filme "V de Vingança", realizado na aula de Comunicação e Tecnologia Educacional ministrado pela professora Caroline. Os textos escolhidos hoje foram, respectivamente, escritos  pelos alunos Fernanda Solon e Ray Souza e nos oferecem duas visões distintas sobre o filme. 





TEXTO I - Análise do filme V de Vingança - por Fernanda Solon

O filme V de Vingança – título original “V for Vedetta” – é baseado nas histórias em quadrinhos de Alan Moore e David Lloyd publicadas em 1988 com o mesmo nome. A versão para o cinema foi lançada em 2006 com direção de James Mcteigue e produção dos irmãos Wachowski.
Se passa em uma Inglaterra injusta e ditatorial que impõe toques de recolher, oprime a liberdade de todas as formas e forja mentiras a todo momento pela tv a fim de manter a população controlada e possui lemas e gritos de guerra. Traz como pano de fundo a “Conspiração da Pólvora” que ocorreu em 05 de novembro de 1605, um fato histórico da tentativa de um grupo de pessoas, mais especificamente católicos insatisfeitos, liderados por Guy Fawkes, com a falta de igualdade no tratamento entre católicos e protestantes em explodir o prédio do Parlamento, que era o símbolo da corrupção do governo do rei James I e de seus aliados.
“V” aparece com um anti-herói que carrega consigo bases do anarquismo e luta contra a imposição do Estado na opressão da população. Ele é resultado da frustrada experiência científica liderada pelos membros do Partido, e agora quer se vingar daqueles que o torturaram e manipularam suas ações mentais e físicas, esse desejo de vingança é o que move suas ações em busca da justiça.
O seu ideal de vingança é concluir o plano da “Conspiração da Pólvora” de Guy Fawkes e em um futuro 05 de novembro finalmente explodir o Parlamento, dar fim do regime autoritário vigente e manter novamente vivo o 05 de novembro.  Para isso, começa a eliminar todos que um dia no passado lhe fizeram mal.
Em dado momento se alia a jovem Evey, que tem um passado atordoado e misterioso devido à participação ativa de seus pais na politica, os mesmos foram executados pela policia por serem ativistas políticos que protestavam contra a ascensão do grupo fascista ao poder. Ela é salva por “V” e a partir dai passa por uma grande mudança quando começa a entender os propósitos dele, e a se descobrir e descobrir seu papel nos planos de vingança de “V”.
O filme deixa várias conclusões e uma das frases de “V” deixa bem claro o eixo da história quando ele diz “sob sua máscara há mais que um rosto: há ideias. E ideias são à prova de balas”.



TEXTO II - Análise do filme V de Vingança - por Ray Souza

O filme “V for Vendeta” é uma adaptação dos romances gráficos escrito por Allan Moore e desenhado por David Lloyd em sua maior parte, originalmente programado para ser lançado pela Warner Bros em 4 de novembro de 2005 (um dia antes do 400º aniversário da Noite de Guy Fawkes), mas foi adiado, e estreou em 17 de março de 2006. As críticas foram positivas e os ganhos de bilheteria mundial alcançaram mais de US$132 milhões.

A estória se passa numa Inglaterra futurista que vive numa ditatura totalitária sob o comando do terrível Adam Sutler e o seu Partido que para alcançar o poder cria um terrível vírus em laboratório e a espalha sobre o país iniciando uma série de mortes, condicionado com a grande mídia a favor do golpe começa a difundir que fundamentalistas (islâmicos e sua luta contra o ocidente cristão, provavelmente) estariam dispostos a iniciar uma guerra biológica, a população amedrontada não vê outra saída a não ser votar em Sutler que com a sua retórica, seja o chanceler britânico e combata esse mal. Com a ditadura instaurada começa uma terrível perseguição à oposição partidária e contra quem ousasse se levantar contra o seu governo, eis que surge o “anti-herói” V e a sua proposta revolucionária.

O filme irá abordar duas dimensões, uma de que os políticos e uma elite com seu poder econômico que influenciam nos rumos de um país são capazes de fazer para não ver de forma nenhuma seus interesses comprometidos, e de outro lado, o desejo de transformação de um homem que representa as ideias de uma filosofia social e política conhecida como anarquismo, entretanto como podemos caracterizar V como adepto de tais ideais? O filme consegue explicitar isso para que os “espectadores comuns” possam entender? Digo isso tento em vista no decorrer da história e até nos tempos de hoje, a enorme confusão e falta de conhecimento sobre a Anarquia e também porque na obra original muito dos temas anarquistas foram retirados, o que querendo ou não, mudam a mensagem política, talvez fizessem isso para não “polemizar” demais ou escolheram elementos que achavam relevantes, “resumindo” as ideias do personagem a aquilo que consideravam essencial a ser mostrado.

Neste texto tentarei explanar sobre os conceitos desta doutrina que são apresentados no filme, porém antes de tudo vamos fazer uma “definição” básica do que é anarquismo que pode ser entendida como uma busca harmoniosa coletiva pela soberania pessoal, igualdade de direito e poder, é uma teoria que considera a autoridade um mal e preconiza a substituição do Estado pela cooperação de grupos associados, me arrisco a dizer que essa é a essência. Assim como em outras ideologias ela também possui as suas vertentes que por sinal podemos dizer que isso se dá pelo fato do anarquismo nunca se colocar como dogma e estar sempre sugerindo que o individuo busque a sua maneira de ser e estar no mundo, por isso há diferentes visões acerca do método revolucionário e a forma de organização socioeconômica da sociedade.

Depois dessa breve elucidação podemos seguir com o nosso propósito, a primeira coisa que podemos detectar e sendo óbvia é a máscara de Guy Fawkes que o personagem V usa e isso já exige certo conhecimento histórico por parte de quem assistiu ao filme, Guy Fawkes foi o homem que tentou explodir o parlamento britânico no século XVII, a Inglaterra rompe laços com o Vaticano e torna-se oficialmente Cristã Protestante e o Rei Jaime I começa a suprimir os católicos, com isso Fawkes que era católico e pertencia ao exército britânico juntamente com outras pessoas, começou a articular esse ataque que ficou conhecido como a “Conspiração da pólvora”, isso aconteceria bem na hora da sessão em que o Rei juntamente com os membros do parlamento estaria lá, mas o plano foi descoberto e todos foram condenados à forca. Acredito que V apenas admire a ousadia e o forma de ataque de Fawkes que provavelmente não pensava como ele, a sua intenção era matar o rei protestante e quem sabe colocar um rei católico em seu lugar, explodir o parlamento não seria por achar que aquilo representava um símbolo de prepotência e coerção e que a população teria que ser ver livre de aparatos estatais.

Aliás, a idéia de explosão, destruição sempre esteve ligada ao anarquismo e tem uma explicação, como disse na terceira estrofe dentro do movimento existe diversas vertentes com a sua forma de agir, e nesse agir há uma grande questão: “usar ou não a violência”, alguns dirão que infelizmente ela é necessária para se conseguir chegar ao grande sonho outros dizem que não, que os anarquistas estariam sendo iguais aqueles que tanto combatem e que existem outras formas de se chegar aos objetivos, pois bem, existe uma ala que é chamada ilegalista que surgiu durante os primeiros anos da década de 1900, é considerado uma extensão do anarquismo individualista, os maiores destaques dessa corrente foram: Ravachol, Émile Henry, Auguste Vaillant e Sante Caserio, eles defendiam a violência e o crime, em suas reflexões e práticas condenam a visão legalista enquanto limitadora da ação revolucionária, uma vez que as leis das sociedades burguesas são vistas por eles como imorais e antiéticas já que compactuavam para a manutenção das injustiças sociais e com a exploração do homem pelo homem, para todos os anarquistas isso é fato, mas nem todos achavam que teria que ser conduzido dessa maneira.

Os ilegalistas promoveram assassinatos de figuras políticas, roubos a bancos e a destruição de prédios públicos no final do século XIX e início do século XX, mas de forma inocente não calcularam o poder que a mídia (jornal) tinha em subverter a sua ideia de estar fazendo justiça a uma mera figura de violência, caos e insanidade, ou seja, forneceram o subterfúgio perfeito para o que aparato repressor estatal perseguisse duramente anarquistas de todas as vertentes, além de criar uma grande desaprovação popular, e constituir todo um imaginário ocidental que até os dias de hoje em alguns meios, a ideia de anarquia continua a ser confundida com o caos e desorganização.

O estereótipo construído através das mídias do anarquista era de um indivíduo cético, solitário e lançador de bombas, sendo ressaltados somente os aspectos negativos e destrutivos da teoria, por um bom tempo chegou-se a confundir com o niilismo que em sentido amplo não acredita em qualquer princípio moral, lei natural; os próprios anarquistas são parcialmente responsáveis por esse mal-entendido, pois muitos tinham planos de reconstrução da sociedade demasiado simplista e pouco convincente e uma fixação apaixonada pela destruição.

Se fossemos para colocar o nosso anti-herói ele estaria na vertente ilegalista do anarquismo, a destruição do prédio Old Bailey e os assassinatos das figuras políticas e religiosas mostram que V não vê alternativa, tanto que ele diz: “a violência pode ter bom uso”, a propaganda pela ação é uma concepção estratégica anarquista que consiste na realização de uma ação de grande visibilidade e que esta se torne referência e inspiração para outras ações semelhantes ou complementares por outros grupos e indivíduos, a definição mais antiga de propaganda pela ação é talvez apresentada pelo grande teórico libertário, o revolucionário russo Mikhail Bakunin. Em seu texto conhecido como Cartas para um Francês Sobre a Presente Crise escrito em 1870 Bakunin defendeu uma aliança revolucionária entre a classe trabalhadora da cidade e o campesinato, afirmando ser necessário fazer propaganda do anarquismo não através de discursos, mas por meio de ações.

“[...] precisamos difundir nossos princípios, não com palavras, mas com ações, esta é a mais popular, mais potente e mais irresistível forma de propaganda.”

 Diferentes dos ilegalistas que não tinham como justificar o porquê de suas ações a população, o nosso anti-herói consegue invadir uma emissora televisiva e desmenti ao vivo o Governo que disse que o prédio precisava ser implodido devido a sua estrutura velha e danificado (temos aí a manipulação da informação, tomar um fenômeno social subverte-lo ou recortar dando uma intenção que melhor me convém), assumi a autoria do “crime” e faz um magistral discurso, provocativo e clareador sobre a situação que aquela população daquele país estava vivendo e sugeriu que no próximo ano naquele mesmo 5 de novembro todos se reunissem em frente ao parlamento inglês para a grande derrocada da ditadura , é um dos momentos mais emocionantes do filme. V acreditou que através do seu ato e o seu argumento as pessoas se encorajassem e acabou surtindo efeito (não em ações propriamente, mas uma conscientização), na vida real a propaganda pela ação nem sempre tinha o resultado desejado.

Apesar de o detetive Finch insinuar que V queria que as pessoas vissem nele um “salvador” e com isso tomar o poder, estava completamente errado, pois o que V fez, foi nada além de orientar e mostrar que poderiam seguir outro caminho e tinha quase certeza nessa mística de um impulso individual e popular. Os anarquistas sempre repudiaram a postura de líder até porque as atitudes autoritárias sempre hão de aparecer e propunham a tese da origem espontânea da revolução, que aconteceria de uma forma natural e horizontal, aqueles “levantes” ou “insurreições” que saem do controle ou na tentativa de tal de qualquer um que queira tomar as suas rédeas e conduzi-la.

Dito isso, me arrisco a dizer que V dá a opção a Ivie que naquele momento representa uma nação, se ela apertará ou não aquele botão que conduzirá o vagão repleto de explosivos ao seu destino final que é a explosão do parlamento britânico, V já havia concluído a sua vingança pessoal quando matou o chanceler Sutler e devido ao confronto com Peter Creedy e os homens-dedos que dispararam uma chuva de tiros contra ele que o deixou gravemente ferido, e esta foi outra cena maravilhosa, o desespero de Creedy atirando contra V que está vindo em sua direção com o punhal, e ele pergunta: “Porque você não morre? porque não morre?” V com a arma já em seu pescoço, responde: “Por baixo dessa carne existe um ideal. e as ideias nunca morrem.” Mas havia o motivo de ter resistido a todo aquele tiroteio pelo menos antes de matar a todos e ir pra o local onde o vagão estava, era uma armadura da parte do tronco que quando ele retirou estava todo ensanguentado.

No local, que era precisamente um túnel subterrâneo que conduziria o vagão ao parlamento, Ivie se declara seu amor ao V já em seus últimos momentos de vida, podemos pensar que ela se apaixonou pela ideia já que nunca viu o rosto dele que provavelmente estava deformado, V também sentia o mesmo e falece em seus braços, ela o coloca até o vagão e faz o seu honroso funeral, o detetive Finch chega e pede para Ivie não apertar o botão, e ela já demostrando que não tinha nada a perder e estava até disposta a morrer, pois não tinha mais medo, o detetive vendo aquilo e já sabendo de toda a verdade permitiu que ela fizesse, a população usando a máscara de Guy Fawkes estava em frente ao parlamento à espera do “show”, e foi assim como o prometido, os militares ficaram imóveis, pois não havia mais ordens a serem compridas, que seria atirar em quem ousasse ir à frente do parlamento, precisavam de uma confirmação e não obtiveram.

O filme V de Vingança consegue magistralmente conciliar ação, drama e romance tornando uma grande obra cinematográfica e um dos meus filmes prediletos.


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