Por Walter Eller do Couto
(texto escrito originalmente para uma disciplina em 2010)
Ligar a webcam do computador, despir-se, deixar-se estimular, ser visto e ver. Bem mais longe do que um simples dispositivo da sexualidade este fenômeno deixa de lado os mutismos, a repressão, as leis, os tabus, a interdição... Com a segurança de um quarto fechado na parte nobre de qualquer cidade, ou na parte pobre de qualquer favela, uma pessoa qualquer conecta-se com outra pessoa qualquer e passam a interagir sexualmente. Sem medos, sem doenças, sem trocas de fluidos ou cheiros, odores. O que vale neste tipo de prática é o desejo pulsante do homem e da mulher de sentir prazer, desejo este amplamente reprimido ou interditado pelas sociedades modernas. O quarto do casal deixa de ser o local do sexo, o computador passa a ser a ferramenta libertária de qualquer prática. As licitas e as ilícitas, as morais e as imorais. Para tentar compreender este fenômeno passearemos pelos pensamentos de teóricos da política e da psicanálise para compreender como se deu a repressão do sexo e a formação do comportamento sexual nas sociedades modernas.
Existe algo em comum nas obras de John Locke e de Sigmund Freud. Começando por Locke, em sua teoria política, que dizia que os homens viviam inicialmente em um estado de natureza onde cada um era juiz de seu próprio ser, e que neste estado as inconformidades sociais eram muito maiores, já que cada homem poderia se julgar inocente de qualquer culpa, neste situação não há obediência alguma à nenhum soberano. Somente com a concessão concedida pela população em conformidade mútua, através de um contrato social implícito, é que a sociedade se formou, junto com suas leis que regem a vida de todos nós.
Locke teoriza ainda o estado de guerra, que todo homem poderia invocar com a finalidade de acabar com desconformidades, como o abuso de um soberano sob seu povo, ou simplesmente para resistir à determinada inconformidade. Caberia somente definir, no íntimo de cada um, o que são estas inconformidades, e é aí que entramos com a obra de Freud.
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, escreveu inúmeras obras até o final de sua vida, todas elas com caráter teórico, analítico, e semiótico, dando origem à psicanálise. Em 1930 há a publicação de um livro intitulado: o mal-estar na civilização. O tema central é como o título sugere, o próprio mal-estar sentido pela civilização e que é irremediável. Vivemos constantemente com o conflito que o indivíduo possui entre seus instintos que são as exigências das tendências pulsionais, muitas localizadas no Id, contra as restrições da civilização, que geram leis e tabus e fazem o superego censurar as ações do ego, gerando um incrível estado de mal-estar.
Freud afirma que os homens obedecem às proibições culturais sob pressão da coerção externa. Caso elas, as leis e tabus, não existissem, haveria uma abolição da civilização, e as pessoas voltariam a um estado de natureza muito mais difícil de suportar. Essas leis separam o homem de sua condição animal primordial, é o fio de Ariadne entre natureza e cultura. Porém os desejos que essas leis e tabus regem, nascem novamente com cada criança. O superego passa a reger sob as vontades primitivas do Id, gera-se então a famosa imagem do “anjo” e do “diabo” tentando convencer o Ego do que fazer. Um, o Id, representa todas as pulsões primitivas (nutritivas, sexuais, etc.) e outro, o superego, serve de rédeas ao Id, controlando o canibalismo e o incesto por exemplo. Esses sacrifícios (sacrifícios?) são primordiais para que deixemos o estado de natureza e vivamos juntos em uma civilização.
Se não sabemos por que agimos de determinada maneira, freqüentemente preestabelecida, a resposta pode estar na agência do superego. Porém em ambos os casos existe a possibilidade de ruptura deste paradigma, seja ele por meio do direito de resistência, ou por um boicote das ações do superego.
A coerção externa, ou o controle, ocorre em todas as sociedades humanas, seja controle feito por ideologias e por estímulo à compra, como o da comunicação, ou o controle frequentemente realizado por instituições, que acabam moldando o ser humano como um todo. Apenas para ampliar a ótica e passear pelo pensamento de Foucault poderíamos dizer que estas migraram de sociedades de disciplinares, para sociedades de controle.
Mas então o leitor poderia argumentar dizendo que se é assim que agimos por conta da coerção externa, então se eliminarmos ela podemos agir de outra forma! Pelo menos quando se fala da hipótese repressiva. O fenômeno conhecido por Multidão é um bom exemplo disto, na multidão cria-se uma nova entidade, onde todos são um só, livres de culpa individual, agem de forma que jamais agiriam se não estivessem contidos neste grupo, como nos linchamentos que levam muitas pessoas a matar outras.
Na pós-modernidade as velha identidades culturais dão lugar para homens e mulheres cada vez mais fragmentados. Elas estão sendo descentradas, colocadas à borda, as margens. Não temos mais o Homem no centro de si mesmo, a identidade é formada pela interação entre o homem e a sociedade, o homem e as coisas, os objetos, o ambiente. E esta interação esta sendo cada vez mais feita na internet, as gerações de hoje, são gerações da rede.
E a internet, nos mostra um fenômeno parecido com o que ocorre nas multidões, com uma falsa sensação de impunidade, o indivíduo conectado age como não agira normalmente, cometendo atos ilegais e rompendo tabus. A internet nos trouxe um esplendor de rebeldia, criando a cada conexão, e a cada ação rebelde, um espaço autônomo, livre do controle, mas que freqüentemente é temporário.
Se o sujeito pós-moderno assume identidades diferentes em diferentes situações, isto explica como um homem aparentemente moralista no convívio social, faz performances ‘imorais’ em contado com outras pessoas na internet, por exemplo.
A galáxia da internet é o novo ambiente de comunicação, e como toda atividade humana é baseada na comunicação, então todos os domínios da vida social estão sento modificados pela internet. Como o teletrabalho, e a própria televida. Assim, cada vez mais, os trabalhos e os convívios são efetuados na internet. Este estado de ciberconviviencia pode também ser prolongado às relações bem íntimas no âmbito sexual.
Conhecido como Cibersexo, este fenômeno sempre foi presente na internet, desde os primórdios de sua existência. Há hoje inúmeros sites pornográficos, agências virtuais de namoro e sites de relacionamentos que são usados para este fim. Destaca-se entre eles, o recente Chatrolette, criado em 2009 por um estudante secundarista de 17 anos, o site conecta aleatoriamente webcans do mundo inteiro, como em uma roleta. Teoricamente não foi criado para cibersexo, porém é muito usado para isto. Cada nó passa de um computador para o outro, de um quarto para o outro, de um corpo para o outro em uma miríade de rotas possíveis.
O que é moralmente proibido, como a pedofilia, o exibicionismo são altamente praticados neste site, já que, além de estar seguro em sua casa, o internauta provavelmente estará se mostrando para outra pessoa de qualquer parte do mundo, bem longe de poder lhe fazer algum mal.
Estas zonas autônomas do sexo funcionam até o momento em que um dos usuários do site aperte a tecla "next" para se expor à outra pessoa, ou até que o sujeito se desconecte do site. "como as antigas histórias literárias, o sexo em rede é um mundo imaginário, construídos pelas fantasias e desejos escondidos dos internautas que se revelam, escondendo-se." (Lemos, p.162, 2002) Porém a influencias destas ações não ficam contidas na rede, assim como toda ação de rebeldia. Tem-se a ilusão de que uma vez desconectado, o individuo já não sofre nenhuma influencia do exibicionismo. Mas estas ações estão cada vez mais deixando os homens próximos de seus estados de natureza, mesmo que apenas em zonas autônomas temporárias, estes homens estão vivenciando, colocando para fora suas pulsões, sejam elas sexuais, de vida ou de morte. Na construção da subjetividade de cada um isto determina uma influencia muito grande. No mundo pós-moderno as pessoas estão quebrando os paradigmas aos poucos. Resta saber como continuarão a tratar o sexo, se ele continuará sendo praticado como algo ilícito e escondido deixando a sensação lânguida de ir contra um contrato de "pessoas boas"... Outro contrato rege o sexo, um contrato implícito e clandestino que coloca cada um de nós diante de nossos próprios medos e receios diante da entidade social que fazemos parte e ao mesmo tempo nos sentimos separados, que nos faz questionar a validade do contrato oficial, e nos obriga a ligar a webcam.
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